Presidência da República
Casa Civil
Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos

DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Processo nº 00688.000563/2025-82. Parecer nº JM-10 de 10 de julho de 2025, do

Advogado-Geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do Consultor-Geral da União nº 00479/2025/GAB-CGU/CGU/AGU, o Parecer nº 00013/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU.

Aprovo.

Publique-se, para os fins do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Em 10 de julho de 2025.

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº: 00688.000563/2025-82

INTERESSADO: CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO - CGU

ASSUNTO:  LICENÇA-MATERNIDADE E LICENÇA-PATERNIDADE EM CASO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR DO RECÉM-NASCIDO OU DA MÃE

PARECER Nº JM - 10

ADOTO, para fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 00479/2025/GAB/CGU/AGU, de 8 de julho de 2025, o Despacho nº 00248/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU, e o Parecer nº 00013/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU, datados de 4 de julho de 2025, e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1º, da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.

Brasília, data da assinatura eletrônica.

JORGE RODRIGO ARAÚJO MESSIAS

Ministro Chefe da Advocacia-Geral da União

DESPACHO N.º 00479/2025/GAB-CGU/CGU/AGU

NUP: 00688.000563/2025-82

INTERESSADO: CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO - CGU

ASSUNTOS: LICENÇA-MATERNIDADE E LICENÇA-PATERNIDADE EM CASO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR DO RECÉM-NASCIDO OU DA MÃE

Excelentíssimo Senhor Advogado Geral da União,

Aprovo, nos termos do DESPACHO n.º 00248/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU, o PARECER n.º 00013/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU, da lavra da Advogada da União Yasmin de Moura Dias.

Dessa forma, submeto as manifestações desta Consultoria-Geral da União à análise de Vossa Excelência, para que, acaso acolhidas, sejam encaminhadas à elevada apreciação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os fins dos artigos 40, §1.º, e 41 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Brasília, data da assinatura eletrônica.

ANDRÉ AUGUSTO DANTAS MOTTA AMARAL

Advogado da União

Consultor-Geral da União

DESPACHO n. 00248/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU

NUP: 00688.000563/2025-82

INTERESSADO: CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO - CGU

ASSUNTOS: LICENÇA-MATERNIDADE E LICENÇA-PATERNIDADE EM CASO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR DO RECÉM-NASCIDO OU DA MÃE

1. Estou de acordo com o PARECER n. 00013/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU, elaborado pela Advogada da União Dr.ª Yasmin de Moura Dias.

2. Submeto-o à aprovação do Senhor Consultor-Geral da União.

Brasília, 04 de julho de 2025.

Maria Helena Martins Rocha

Advogada da União

Consultora da União

PARECER n. 00013/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU

NUP: 00688.000563/2025-82

INTERESSADO: CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO

ASSUNTO: LICENÇA-MATERNIDADE E LICENÇA-PATERNIDADE

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. LICENÇA-MATERNIDADE E LICENÇA-PATERNIDADE. TERMO INICIAL EM CASO DE INTERNAÇÃO DA MÃE E/OU DO RECÉM NASCIDO.

1 - A Constituição Federal assegura, como direitos sociais inderrogáveis, a proteção à maternidade e à infância (art. 6º, caput; art. 201, II e art. 203, I), a licença à gestante (arts. 7º, XVIII) e a licença-paternidade (art. 7º, XIX), os dois últimos com previsões específicas para servidores públicos e para militares (arts. 39, §3º, e 142, VIII).

2 - O princípio da prioridade absoluta (art. 227 da CF/1988; arts. 4º e 100, parágrafo único, II, da Lei nº 8.069/90; e art. 3º da Lei nº 13.257/2016) consagra crianças e adolescentes como destinatários prioritários de políticas públicas, com o objetivo de atender às especificidades inerentes ao seu processo formativo, que surgem em razão de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.

3 - A licença-maternidade e a licença-paternidade, segundo compreensão atual, possuem objeto de tutela plural: voltam-se não somente aos genitores, mas ao nascituro e à sociedade.

4 - Em cenários de internação do recém-nascido e/ou da mãe, as limitações inerentes ao ambiente hospitalar restringem o convívio familiar, de modo que admitir o cômputo da licença-maternidade e da licença-paternidade durante o período implica esvaziar o caráter instrumental e protetivo dessas licenças. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Ausência de aplicação uniforme da matéria na Administração Federal.

5 - Necessidade de fixar a contagem diferenciada do período da licença-maternidade e da licença-paternidade em caso de internação da mãe e/ou do recém-nascido após o parto, de forma que o seu termo inicial deve ser a alta hospitalar da mãe e/ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, prorrogando-se o benefício de modo a preservar o seu prazo legal.

6 - Caso as conclusões acima declinadas sejam acolhidas, sugere-se a Sua Excelência o Senhor Advogado-Geral da União o encaminhamento do presente parecer ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para que os seus termos vinculem, consoante determinam os artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73/1993, toda a Administração Pública federal, cujos órgãos e entidades ficarão obrigados a lhe dar fiel cumprimento, a partir da data de sua publicação.

Senhor Consultor-Geral da União,

I - RELATÓRIO

1. Conforme noticiado no Despacho nº 102/2025 (seq. 1), o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.327, conferiu interpretação conforme à Constituição ao art. 392, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como ao art. 71 da Lei nº 8.213/1991 e, por arrastamento, ao art. 93 do Decreto nº 3.048/1999, fixando entendimento quanto ao termo inicial da licença-maternidade e do salário-maternidade na hipótese em que haja internação hospitalar da mãe ou da criança que supere o prazo inscrito na legislação. A ementa do julgado é a seguinte:

CONSTITUCIONAL. DIREITOS SOCIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONVERTIDA EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. POSSIBILIDADE. CONTAGEM DE TERMO INICIAL DE LICENÇA-MATERNIDADE E DE SALÁRIO-MATERNIDADE A PARTIR DA ALTA HOSPITALAR DO RECÉM-NASCIDO OU DA MÃE, O QUE OCORRER POR ÚLTIMO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO DO §1º DO ART. 392, DA CLT, E DO ART. 71 DA LEI 8.213/1991. NECESSÁRIA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À MATERNIDADE E À INFÂNCIA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 

[…] 2. A fim de que seja protegida a maternidade e a infância e ampliada a convivência entre mães e bebês, em caso de internação hospitalar que supere o prazo de duas semanas, previsto no art. 392, §2º, da CLT, e no art. 93, §3º, do Decreto nº 3.048/99, o termo inicial aplicável à fruição da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade deve ser o da alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, prorrogando-se ambos os benefícios por igual período ao da internação

3. O direito da criança à convivência familiar deve ser colocado a salvo de toda a forma de negligência e omissão estatal, consoante preconizam os arts. 6º, caput, 201, II, 203, I, e 227, caput, da Constituição da República, impondo-se a interpretação conforme à Constituição do §1º do art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e do art. 71 da Lei nº 8.213/1991 

4. Não se verifica critério racional e constitucional para que o período de licença à gestante e salário-maternidade sejam encurtados durante a fase em que a mãe ou o bebê estão alijados do convívio da família, em ambiente hospitalar, nas hipóteses de nascimentos com prematuridade e complicações de saúde após o parto. 

5. A jurisprudência do STF tem se posicionado no sentido de que a ausência de previsão de fonte de custeio não é óbice para extensão do prazo de licença-maternidade, conforme precedente do RE nº 778.889, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016. A prorrogação de benefício existente, em decorrência de interpretação constitucional do seu alcance, não vulnera a norma do art. 195, §5º, da Constituição Federal. 

6. Arguição julgada procedente para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, §1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), de modo a se considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, prorrogando-se em todo o período os benefícios, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, §2º, da CLT, e no art. 93, §3º, do Decreto n.º 3.048/99. (grifou-se)

2. Em cenário fático que se relaciona ao que motivou o precedente acima, chegou a conhecimento desta Consultoria da União a existência de pedido de membro da Advocacia-Geral da União de prorrogação de sua licença-paternidade, em razão da internação hospitalar de sua filha após o nascimento.

3. Para fundamentar o requerimento, o interessado citou o Recurso Extraordinário nº 1.532.276, julgado em fevereiro do ano corrente pelo Supremo Tribunal Federal, que seguiu o raciocínio construído no julgado transcrito. Veja-se, por pertinência, a ementa do decisório:

DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO . LICENÇA -PATERNIDADE. TERMO INICIAL EM CASO DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR DO RECÉM-NASCIDO. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS . 

I. CASO EM EXAME 1. Recurso que discute a interpretação dada pela Corte de origem sobre norma distrital que trata do termo inicial da licença-paternidade dos policiais penais do Distrito Federal, determinando que o início de tal licença deve ocorrer a partir da alta hospitalar do recém-nascido. 

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se é possível definir o termo inicial da licença-paternidade como sendo a alta hospitalar do recém-nascido, em caso de previsão normativa de que tal termo é o nascimento ou a adoção de filhos. 

III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O direito à licença-paternidade possui assento constitucional e, ainda que caiba a normas infraconstitucionais sua regulamentação — incluindo a definição de seu termo inicial —, a interpretação dessas deve levar em conta os objetivos de tal direito, a própria razão para sua previsão expressa em nossa Carta Magna e os princípios e normas a ele relacionados. 4. A interpretação das normas referentes à licença-paternidade deve ser realizada em consonância com as disposições constitucionais relacionadas à criança, verdadeira principal destinatária da licença, à família, à paternidade responsável e à igualdade de gênero. 

5. A licença-paternidade é importante direito para a proteção da primeira infância, da formação e fortalecimento do vínculo familiar e de uma maior equalização da almejada igualdade entre homens e mulheres no exercício de seus cuidados em relação ao recém-nascido e nos impactos do nascimento de um filho na carreira de cada um . 

6. A licença-paternidade, em casos que demandam internação hospitalar do recém-nascido, somente pode ser fruída na forma constitucionalmente estabelecida após a alta hospitalar deste, situação que deve ser levada em conta na definição de seu termo inicial. 

IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso não provido. Tese de julgamento: O termo inicial da licença-paternidade, em caso de internação hospitalar do recém-nascido, deve ser considerado como a data de sua alta. (destacou-se)

4. Diante do posicionamento até então manifestado pela Secretaria-Geral de Administração, o Sr. Consultor-Geral da União apontou que a Advocacia-Geral da União tem construído uma cultura institucional de redução de litígios, “que considera tanto o princípio da eficiência, ante os custos unitários de processos desnecessariamente ajuizados, quanto o reconhecimento de direitos, quando eles sejam devidos”.

5. Em atenção a essas características, somadas à força persuasiva dos julgados e à recente publicação de pareceres vinculantes que tutelam a família e a primeira infância[1], foi deflagrado este procedimento para o aprofundamento de debates sobre a tese veiculada no Recurso Extraordinário nº 1.532.276.

6. Por meio do Despacho nº 106/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU (seq. 3) e dos ofícios que lhe sucedem (seqs. 4 a 15), os autos foram encaminhados a uma série de órgãos para exame e manifestação.

7. Pronunciaram-se, com efeito, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa (seqs. 16 e 17), a Consultoria Jurídica junto ao Comando do Exército (seqs. 18, 66, 67, 70 e 71), a Secretaria-Geral de Administração (seqs. 20 a 23), a Consultoria Jurídica junto ao Comando da Marinha (seqs. 25 e 26), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (seqs. 27 a 29; e seqs. 41 a 43), a Consultoria Jurídica junto ao Comando da Aeronáutica (seqs. 30 a 32), a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (seqs. 33 a 40), a Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Planejamento e Orçamento (seqs. 44 a 53), a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Previdência Social (seqs. 54 a 63), a Procuradoria-Geral da União (seqs. 64 e 65), a Secretaria-Geral de Contencioso (seqs. 68 e 69), e a Procuradoria-Geral Federal (seqs. 72 a 81).

8. Com os novos elementos informativos, retornaram os autos para análise.

9. É o relato do essencial.

II - FUNDAMENTAÇÃO

a) Viabilidade de edição de parecer vinculante sobre a matéria, de acordo com a sistemática dos arts. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73/1993

10. Em conformidade com o rito estabelecido pelos arts. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73/1993, é admissível que um parecer jurídico vincule a atuação da Administração Federal, devendo, para tanto, seguir um procedimento formal que passa (i) pela aprovação do Advogado-Geral da União, com a sua subsequente (ii) remessa para a aquiescência do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, com o intuito de que seja, finalmente, (iii) publicado no Diário Oficial da União.

11. Devido ao seu status de decisão governamental oficial, devidamente publicizada na imprensa, os órgãos e entidades da Administração Pública Federal passam a ser obrigados a seguir e a cumprir o disposto no parecer, como uma norma com efeito vinculante. A sua fiel observância assegura a uniformidade na aplicação das normas e a coerência das decisões administrativas.

12. Com apoio nos documentos que instruem estes autos, bem como tendo-se em mente a argumentação construída em linhas vindouras, entende-se que as conclusões da ADI 6.327 e do RE nº 1.532.276, para além dos efeitos típicos projetados na seara judicial, encontram-se dotadas de suficiente maturidade para a sua incorporação na prática administrativa.

13. A bem da verdade, as teses se alinham com posicionamento já admitido por vários dos órgãos consultados, o que permite avançar na vinculação definitiva e uniforme da Administração Pública Federal ao quanto decidido pela Suprema Corte.

14. Ressalta-se que não se desconhece que a decisão definitiva de mérito da ADI 6.327 é dotada de eficácia erga omnes e de efeito vinculante inclusive perante a Administração Pública (art. 102, §2º, da Constituição Federal). O estudo de seu inteiro teor, porém, torna evidente que os limites objetivos da coisa julgada formada — e, consequentemente, os efeitos que lhe são próprios — são restritos ao modelo celetista de contratação e ao regime geral de previdência social, de modo que servidores públicos estatutários e militares não estão automaticamente contemplados em seu conteúdo[2].

15. Por outro lado, embora o Código de Processo Civil seja norteado pela valorização de precedentes e pela busca de sua estabilidade e coerência (art. 926 do CPC), o julgamento de recursos extraordinários repetitivos vincula o Poder Judiciário em sua atividade judicante (art. 927 do CPC), não alcançando, de forma imediata, a Administração Pública. 

16. Além disso, o RE nº 1.532.276 não foi julgado sob a sistemática da repercussão geral, razão pela qual não é, em rigor, sequer de observância obrigatória por juízes e tribunais — apesar de ostentar inequívoco valor persuasivo.

17. A tempo, não se ignora a dissonância manifestada por alguns dos órgãos interessados quanto à incorporação das teses, o que não impede, todavia, que se consolide a posição do Poder Público no mesmo sentido dos verbetes em exame.

18. Tal posicionamento se justifica no fato de que as objeções, no mais das vezes — ilação não imune a exceções —, não atingem o cerne das conclusões obtidas pelo STF, preservando o núcleo essencial de admissibilidade da contagem diferenciada do termo inicial da licença-maternidade e da licença-paternidade quando haja internação hospitalar da mãe e/ou do recém-nascido após o parto.

19. A definição assertiva de uma resposta sobre o tema, nesta trilha, é útil à estabilização da práxis administrativa em determinado sentido, contribuindo, de mais a mais, com o reconhecimento de direitos, com a eficiência administrativa e com a redução da litigiosidade sobre o tema.

20. A postura acaba por afirmar, ainda, o Poder Público como agente garantidor das variadas — e multifacetadas — promessas constitucionais, assegurando a força normativa[3] da Carta Política e a máxima efetividade de direitos fundamentais indisponíveis.

b) O compromisso constitucional de proteção à família, à maternidade, à paternidade e à infância

21. Discorrer sobre questões típicas do Direito das Famílias demanda não apenas o domínio do ordenamento posto, mas especialmente — e sobretudo — sensibilidade diante da complexidade dos fatos. A literalidade da lei, por si só, não é capaz de abranger a totalidade dos arranjos e das dinâmicas interpessoais, sendo certo que, em muitas situações, a rigidez do direito objetivo deve ceder espaço para construções jurídicas que partem de problemas concretos para obter uma disciplina satisfaça os interesses dos envolvidos.

22. A Constituição Federal de 1988, em comparação com as que a antecederam, trouxe inovações significativas no campo do Direito de Família ao substituir a centralidade do matrimônio por uma perspectiva familiar pautada na comunhão de vida e na solidariedade, propícia à realização pessoal por meio da afetividade[4]. A mudança busca acompanhar o ritmo de transformação da sociedade, que se (re)estrutura continuamente em multiformes configurações, reforçando o intenso entrelaçamento entre o Direito e a realidade.

23. Nessa direção, o texto constitucional declara em seu artigo 226 que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. A prescrição contém evidente mandado direcionado à Administração para que atue, de um lado, no sentido de promover políticas públicas que protejam as conformações familiares sob uma perspectiva coletiva, mas também para que, por outro, não interfira na realização de projetos pessoais dos cidadãos[5].

24. Explicitando o seu papel garantista, a Carta Política assegura, como direitos sociais inderrogáveis, a proteção à maternidade e à infância (art. 6º, caput; art. 201, II e art. 203, I), a licença à gestante (arts. 7º, XVIII) e a licença-paternidade (art. 7º, XIX), os dois últimos com previsões específicas para servidores públicos e para militares (arts. 39, §3º, e 142, VIII).

25. Somando-se aos direitos acima, o princípio da prioridade absoluta (art. 227 da CF/1988; arts. 4º e 100, parágrafo único, II, da Lei nº 8.069/90; e art. 3º da Lei nº 13.257/2016) consagra crianças e adolescentes como destinatários prioritários de políticas públicas, com o objetivo de atender às especificidades inerentes ao seu processo formativo, que surgem em razão de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento[6].

26. A previsão acima espelha compromissos assumidos pelo país na órbita internacional, com destaque para a Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto nº 99.710/1990), que é expressa ao afirmar que “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança” (artigo 2º, item 1).

27. O artigo 227 da Constituição Federal, por outro lado, prescreve que o Estado, a família e a sociedade compartilham o dever de assegurar à criança, ao jovem e ao adolescente o direito à convivência familiar, colocando-os a salvo de toda forma de negligência. A mencionada corresponsabilidade conclama o Poder Público a adotar uma postura ativa na proteção dos infantes, sob pena de frustração de um compromisso constitucional de alto relevo.

28. Essas premissas devem nortear a interpretação da problemática sob exame, que diz respeito, conforme relatado, à contagem diferenciada do termo inicial da licença-maternidade e da licença-paternidade quando a mãe e/ou o recém-nascido sejam internados após o parto.

29. As modalidades de afastamento, segundo compreensão atual, possuem objeto de tutela plural[7]: voltam-se não somente aos genitores, seus destinatários imediatos, mas ao nascituro e à sociedade.

30. Sob um olhar individual, a licença-maternidade, ao garantir o afastamento remunerado do trabalho, visa ao restabelecimento da saúde física e emocional da mãe após o parto, período de extrema sensibilidade por ser o marco de descobrimento de novos papéis sociais, familiares e pessoais da genitora. A licença-paternidade, por sua vez, permite a dedicação integral do pai aos cuidados com a prole e o apoio à mãe durante a etapa de adaptação à nova rotina da família.

31. Isso se verifica com a garantia de reinserção dos pais no mercado de trabalho, protegendo os meios de obtenção de renda e de sustento da entidade familiar. Cumpre destacar, de igual forma, a função existencial do trabalho, que contempla dimensões sociais e psicológicas do indivíduo.

32. Para o recém-nascido, a intensa convivência com os pais favorece a formação e o estreitamento dos laços familiares, bem como a criação de um ambiente de proteção e segurança propício ao seu pleno desenvolvimento.

33. Quando se cogita a internação do bebê e/ou de sua mãe após o parto, a rígida contagem dos prazos previstos nas Leis nº 8.112/1990 e nº 13.109/1990 poderia resultar em proteção insuficiente aos direitos tutelados, uma vez que o encurtamento das licenças —  ou, no caso da licença-paternidade, a sua possível supressão — acarreta indevida limitação da convivência familiar, justamente quando o contexto demanda maiores cuidados com o recém-nascido.

34. Para o Min. Edson Fachin, relator da ADI 6.327, a contradição exposta é elucidada a partir do seguinte trecho do seu voto:

O período de internação neonatal guarda as angústias e limitações inerentes ao ambiente hospitalar e à fragilidade das crianças. Ainda que possam eventualmente amamentar e em alguns momentos acolher nos braços seus filhos, é a equipe multidisciplinar que lhes atende, de modo que é na ida para casa que os bebês efetivamente demandarão o cuidado e atenção integral de seus pais, e especialmente da mãe, que vivencia também um momento sensível como é naturalmente, e em alguns casos agravado, o período puerperal. Não é por isso incomum que a família de bebês prematuros comemorem duas datas de aniversário: a data do parto e a data da alta. A própria idade é corrigida. A alta é, então, o momento aguardado e celebrado e é esta data, afinal, que inaugura o período abrangido pela proteção constitucional à maternidade, à infância e à convivência familiar. É este, enfim, o âmbito de proteção.

Há uma unidade a ser protegida: mãe e filho. Não se trata apenas do direito do genitor à licença, e sim do direito do recém-nascido, no cumprimento do dever da família e do Estado de ter assegurado com "absoluta prioridade" o seu "direito à vida, à saúde, à alimentação", "à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar", além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência." (art. 227). Esse direito, no caso, confere-lhe, neste período sensível de cuidados ininterruptos (qualificados pela prematuridade), o direito à convivência materna.

35. A redução do prazo útil das licenças é vislumbrada, portanto, em sua contagem durante o período de internação, no qual, em razão de limitações inerentes ao ambiente hospitalar, o convívio familiar é restrito e frequentemente submetido a tempo diário previamente delimitado. As interações, por conseguinte, são insuficientes para o estabelecimento de laços afetivos e para o atendimento da ratio dos institutos jurídicos envolvidos.

36. Portanto, admitir o cômputo da licença-maternidade e da licença-paternidade durante o período de internação da mãe ou do recém-nascido implica esvaziar o caráter instrumental e protetivo dessas licenças, revelando-se medida insuficiente à tutela dos direitos envolvidos e contrária ao melhor interesse do infante.

37. Sendo a família instituição essencial ao desenvolvimento da personalidade dos filhos[8], entende-se que a interpretação e a aplicação dos institutos em análise deve se direcionar à efetivação da convivência e fortalecimento dos laços familiares, bem como à proteção de seus integrantes.

38. Por isso, sustenta-se a possibilidade de que o termo inicial da licença-maternidade seja a alta hospitalar da mãe e/ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, prorrogando-se o benefício de modo a preservar o prazo do art. 207 da Lei 8.112/1990, com o acréscimo do art. 2º, §1º, do Decreto nº 6.690/2008, e do art. 1º, §1º, da Lei nº 13.109/2015.

39. O mesmo raciocínio deve ser adotado no caso da licença-paternidade, cujo termo inicial deve ser a alta hospitalar da mãe e / ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, prorrogando-se o benefício de modo a preservar o seu prazo legal (art. 207 da Lei nº 8.112/1990, com a prorrogação do Decreto nº 8737/2016, e art. 6º da Lei nº 13.109/2015).

40. Esse entendimento prestigia o princípio da parentalidade responsável, compreendido como o dever dos pais de criar e educar os filhos, objetivando o seu sadio desenvolvimento (art. 229 da CF/1988 e arts. 1.566, IV; e 1.634, I, do Código Civil)[9].

41. A concessão do benefício, por fim, depende de requerimento à autoridade responsável, mediante a juntada de documentos que atestem a ocorrência da internação hospitalar da mãe e/ou do recém-nascido após o parto.

III - CONCLUSÕES

42. Por todo o exposto, conclui-se que a Administração Pública federal deve observar, em sintonia com as teses de julgamento da ADI 6.327 e do RE nº 1.532.276, o seguinte:

a) O termo inicial da licença-maternidade deve ser a alta hospitalar da mãe e/ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, prorrogando-se o benefício de modo a preservar o prazo do art. 207 da Lei 8.112/1990, com o acréscimo do art. 2º, §1º, do Decreto nº 6.690/2008, e do art. 1º, §1º, da Lei nº 13.109/2015;

b) O termo inicial da licença-paternidade, igualmente, deve ser a alta hospitalar da mãe e / ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, prorrogando-se o benefício de modo a preservar o seu prazo legal (art. 207 da Lei nº 8.112/1990, com a prorrogação do Decreto nº 8737/2016, e art. 6º da Lei nº 13.109/2015).

43. Caso as conclusões acima declinadas sejam acolhidas, sugere-se a Sua Excelência o Senhor Advogado-Geral da União o encaminhamento do presente parecer ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para que os seus termos vinculem, consoante determinam os artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73/1993, toda a Administração Pública federal, cujos órgãos e entidades ficarão obrigados a lhe dar fiel cumprimento, a partir da data de sua publicação.

À consideração superior.

Brasília, data da assinatura eletrônica.

Yasmin de Moura Dias

Advogada da União


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000563202582

Notas:

1. Vide os Pareceres JM-07, JM-08 E JM-09, todos de fevereiro deste ano.

2. Recorde-se a existência do Parecer nº 5/2022/DECOR/CGU/AGU, que entendeu ser aplicável à Administração o entendimento exarado na ADI 6.327.

3. Para Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 1997. p. 1224), a “solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa), contribuem para uma eficácia ótima da lei fundamental. Consequentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a atualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência”.

4. LÔBO, Paulo Luiz Neto. Direito Civil - Volume 5 – Famílias. – 14. ed. – São Paulo : Saraiva Jur, 2024. No mesmo sentido, O Min. Edson Fachin (Da Função Pública ao Espaço Privado: aspectos-da "privatização" da família no projeto do estado mínimo. Arché: Rio de janeiro, ano VIII, n. 24, p. 27, 1999).

5. Para Gustavo Tepedino e Ana Carolina Brochado Teixeira (Fundamentos do direito civil: direito de família. - 5. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2024), “Trata-se de resguardar os espaços existenciais de maior intimidade da pessoa humana, invulneráveis à invasão do legislador infraconstitucional, de qualquer decisão do Poder Judiciário, de ordem do Poder Executivo ou de ato de particulares. A vida privada existencial, individual e familiar, encontra-se protegida, portanto, de interferências externas, pois é necessário que cada um desenvolva sua personalidade livremente e participe da sua comunidade de forma autônoma”.

6. AMIN, Andréa Rodrigues et al. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. – 12. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.

7. RE 842844, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 05-12-2023 PUBLIC 06-12-2023.

8. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; TEPEDINO, Gustavo, op. cit, p. 52.

9. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. - 4. ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 11.7.2025