Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

 

(Revogado pelo Parecer JL-06)  

DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Processo nº 00688.000541/2017-11. Parecer nº AM - 02, de 9 de abril de 2019, do Advogado-Geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do Consultor-Geral da União nº 235/2019/GAB/CGU/AGU, o Parecer nº 01/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU da Comissão Permanente de Procedimentos Administrativos Disciplinares da Consultoria-Geral da União. Aprovo. Publique-se para os fins do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Em 9 de abril de 2019.

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº: 00688.000541/2017-11
INTERESSADO: COMISSÃO PERMANENTE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
ASSUNTO:         PRESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR DE ABANDONO DE CARGO
 

PARECER Nº AM - 02

ADOTO, para os fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 00235/2019/GAB/CGU/AGU o anexo Parecer nº 01/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1º, da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.

Em 09 de abril de 2019.

ANDRÉ LUIZ DE ALMEIDA MENDONÇA
Advogado-Geral da União

DESPACHO n. 00235/2019/GAB/CGU/AGU

NUP: 00688.000541/2017-11
INTERESSADOS: COMISSÃO PERMANENTE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - CPPAD E OUTROS
ASSUNTOS: Prescrição da Infração disciplinar de abandono de cargo.
 

Aprovo, nos precisos termos do Despacho nº 689/2017/DECOR/CGU/AGU, o Parecer nº 1/2017/CPPAD/DECOR/CGU/AGU, da Comissão Permanente de Procedimentos Administrativos Disciplinares da Consultoria-Geral da União.

Submeto as manifestações desta Consultoria-Geral da União ao Exmo. Senhor Advogado-Geral da União, para que, em sendo acolhidas, sejam encaminhadas à elevada apreciação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República para os fins dos art. 40, § 1º, e art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Brasília, 15 de março de 2019.

ARTHUR CERQUEIRA VALÉRIO
Advogado da União
Consultor-Geral da União

DESPACHO n. 00689/2017/DECOR/CGU/AGU

NUP: 00688.000541/2017-11
INTERESSADOS: COMISSÃO PERMANENTE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - CPPAD DA CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
ASSUNTO: PRESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR DE ABANDONO DE CARGO

Exmo. Senhor Consultor-Geral da União substituto,

Aprovo o Parecer nº 1/2017/CPPAD/CGU/AGU, da Comissão Permanente de Processo Administrativo Disciplinar desta Consultoria-Geral da União.

Nestes termos, consolide-se o entendimento no sentido de que, caso não haja apuração dos fatos na esfera penal, o prazo prescricional para a infração disciplinar de abandono de cargo é de 5 (cinco) anos, na esteira do que dispõe o art. 142, inciso I, e art. 132, inciso II, ambos da Lei nº 8.112, de 1990:

Lei nº 8.112, de 1990

Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos:

...

II - abandono de cargo;

...

Art. 138.  Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.

...

Art. 142.  A ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

...

Caso haja apuração dos fatos na esfera criminal, o prazo prescricional para a infração disciplinar de abandono de cargo é de 3 (três) anos, na forma do § 2º do art. 142 da Lei 8.112, de 1990, combinado com arts. 109, inciso VI, e art. 323, ambos do Código Penal:

Lei nº 8.112, de 1990

Art. 142.  A ação disciplinar prescreverá:

...

§ 2o  Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

...

Código Penal

Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

...

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

...

Art. 323 - Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei:

Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

...

Acerca da matéria, há precedentes do Superior Tribunal de Justiça que corroboram o entendimento ora consolidado no sentido de que a aplicação do prazo prescricional previsto na legislação penal somente pode ser aplicável às infrações disciplinares caso haja apuração criminal em curso perante às instâncias competentes: 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 142, § 2°, DA LEI 8.112/1990. PRESCRIÇÃO DA LEI PENAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE APURAÇÃO DA INFRAÇÃO NA ESFERA CRIMINAL. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. É firme o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido que incide a regra do art. 142, § 2º, da Lei 8.112/90 apenas nas hipóteses em que as infrações administrativas cometidas pelo servidor público for objeto de apuração na esfera criminal, sendo insuficiente a mera presença de indícios de crime, sem a devida apuração na esfera penal.

2. Precedentes: MS 17.535/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/09/2014, DJe 15/09/2014; MS 13.926/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, julgado em 27/02/2013, DJe 24/04/2013; MS 14.159/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 24/08/2011, DJe 10/02/2012; MS 15.437/DF, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 27/10/2010, DJe 26/11/2010; MS 14.320/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 28/04/2010, DJe 14/05/2010.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 681.345/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 27/05/2015)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INFRAÇÃO TAMBÉM CAPITULADA COMO CRIME. FATO QUE NÃO FOI OBJETO DE APURAÇÃO NA ESFERA CRIMINAL. APLICAÇÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS DA LEI PENAL.IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO § 2º DO ART. 142 DA LEI Nº 8.112/1990. PRECEDENTES. AFIRMAÇÃO DE QUE TERIAM SIDO CONTRARIADOS DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INOBSERVÂNCIA DA SÚMULA VINCULANTE 10/STF. ALEGAÇÕES QUE SOMENTE PODEM SER EXAMINADAS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. A previsão contida no § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/1990 - de que às infrações disciplinares, capituladas também como crime, aplicam-se os prazos de prescrição previstos na lei penal - deve ser afastada na hipótese em que os fatos não tiverem sido objeto de apuração na esfera criminal, como no caso ora examinado. Precedentes.

2. Conquanto haja a possibilidade, ao menos em tese, de o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso especial, contrariar dispositivos da Constituição Federal, revela-se manifestamente equivocada a iniciativa da parte de submeter essa matéria ao próprio Superior Tribunal de Justiça, por meio de agravo regimental ou de embargos de declaração, porquanto a apreciação desse tipo de questão compete ao Supremo Tribunal Federal, por meio de recurso extraordinário. Inviável, assim, o exame das alegações de violação do princípio da separação de poderes e da cláusula de reserva de plenário, bem como de inobservância da Súmula Vinculante 10/STF.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1180500/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 23/05/2013)

Por fim, quanto à superação dos Pareceres GM-007¹ e GQ-144², ambos aprovados pelo Presidente da República, e não publicados no Diário Oficial da União, por conseguinte, não vinculantes para toda a Administração Pública Federal, na esteira do art. 40, § 2º, da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União³, deve prevalecer que o entendimento ora consolidado tem eficácia prospectiva, não comprometendo a validade dos atos praticados sob a égide do entendimento anteriormente em vigor.

Conforme posto no âmbito do Parecer GMF-064, a confecção de eficácia prospectiva para a hodierna compreensão jurídica funda-se no inciso XIII do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999, o qual veda expressamente a aplicação retroativa de nova interpretação, cumulado com arts. 15 e 927, § 2º, ambos do Código de Processo Civil5. Na espécie, a bem da estabilidade e da segurança jurídica, deve prevalecer que o entendimento ora proposto não compromete a validade dos casos já decididos sob a vigência do entendimento anterior.

À consideração superior.     

Brasília, 06 de dezembro de 2017.

VICTOR XIMENES NOGUEIRA
ADVOGADO DA UNIÃO
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS

Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000541201711 e da chave de acesso d0272d6a

Notas

1 http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/8400

² http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/8323

³ Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.§ 2º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência. Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República.

4 http://www.agu.gov.br/page/atos/detalhe/idato/1573562

5 Art. 15.  Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. (...) Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão: (...) § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
COMISSÃO PERMANENTE DE PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES

PARECER Nº 01/2017/CPPAD/CGU/AGU

NUP: 00688.000541/2017-11 INTERESSADOS: UNIÃO
ASSUNTO: PRESCRIÇÃO DO ABANDONO DE CARGO

Enunciado CPPAD/CGU/AGU nº 2

Aplica-se à falta disciplinar de abandono de cargo o prazo da prescrição administrativa indicada no art. 142, inciso I, da Lei 8.112, de 1990, em caso de inexistência de persecução penal para o mesmo fato.

Referências: Art. 142, inciso I, e §2º, da Lei nº 8.112/90. Arts. 109 e 110 do Código Penal. Pareceres GM 007, GQ-144, GQ nº 164 e GQ n° 211. RMS 20.337/PR, MS 12.884/DF e MS 15.462/DF do STJ.

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. MATÉRIA DISCIPLINAR. ABANDONO DE CARGO. AUSÊNCIA DE APURAÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

I   - O prazo para a Administração apurar eventual prática de abandono de cargo é de 5 anos, caso não tenha havido apuração na esfera penal.

II  - A utilização do prazo prescricional penal na esfera administrativa deve ser feita de forma reservada, restringindo-se aos casos em que tenha sido deflagrada a atuação dos órgãos criminais competentes.

III – Deve-se ter a superação (overruling) das razões de decidir (ratio decidendi) sufragadas nos pareceres Pareceres GM 007 e GQ-144, com eficácia prospectiva, com base nas recentes decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

Exmo. Diretor,

1. Trata-se de manifestação da Comissão Permanente de Procedimentos Disciplinares – CPPAD, órgão integrante da Consultoria-Geral da União cujos objetivos e competências são estabelecidos pela Portaria CGU nº 5, de 9 de fevereiro de 2017.

2. Com efeito, a temática sub lúmen versa acerca do prazo prescricional aplicável ao caso de abandono de cargo quando não há apuração do fato na esfera penal.

3. Após identificada a controvérsia e os pontos relevantes para o deslinde da matéria, foram realizados estudos e debates em reuniões com a participação de membros da carreira de Advogado da União, Procurador Federal, Procurador da Fazenda Nacional e Procurador do Banco Central com notória expertise sobre direito disciplinar. Passou-se, então, à etapa de elaboração do Parecer em apreço, cujo objetivo é o aclaramento da controvérsia posta sob exame, de forma a orientar a atuação dos Advogados Públicos em suas unidades jurídicas por todo o país, reduzindo a insegurança jurídica.

4. É, em síntese, o relatório.

I – DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA ABANDONO DE CARGO

5. Há a possibilidade de uso do prazo prescricional penal para fins de exercício da pretensão punitiva pela Administração, naquelas hipóteses em que as infrações disciplinares também forem capituladas como crime, por força do disposto no art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, de 19901. Sobre esse ponto, merece destaque excerto do Parecer GQ no 164 (vinculante):

45. A aplicação das normas estatutárias que regem a prescrição da ação disciplinar há de ser feita em vista também do comando do § 2º do art. 142, da Lei nº 8.112, supratranscrito, isto é, os prazos pertinentes às infrações disciplinares, previstas também como crime, são contados nos moldes da lei penal. Estes os casos em que a lei, de forma única, admite a incidência das normas penais. Em se referindo a essas facetas prescricionais apenas, pretendeu o legislador excluir outras espécies de interferências do Direito Penal no Disciplinar, dadas suas diferenciações quanto às suas naturezas e finalidades, conforme visto. Qualquer outra incidência somente será permissível mediante disposição legal expressa, em decorrência do princípio constitucional da legalidade.

46. Na hipótese em que a irregularidade administrativa estiver prevista, da mesma forma, como crime, caberá ao administrador o dever de invocar a prescrição a que se refere o art. 109 do Código Penal, abstraindo-se do disposto no art. 142 da Lei nº 8.112, por determinação do seu § 2º, relativamente aos fatos ocorridos na vigência deste diploma legal ou da Lei 1.711, de 1952, cujo art. 213, parágrafo único, era assim redigido: “A falta também prevista na lei penal como crime prescreverá juntamente com este”.

6. Por sua vez, especificamente em relação ao prazo para apuração e aplicação de penalidades em face de abandono de cargo, houve manifestação da AGU, consubstanciada, entre outros, no Parecer GQ n° 211, aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União de 12 de agosto de 1998 (portanto vinculante, conforme art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993), de cujo teor se extrai o seguinte trecho:

7. É de notar-se que a orientação que se vem observando está consubstanciada em dois pareceres da extinta Consultoria-Geral da República Pareceres no 575-H, da lavra do Dr. Adroaldo Mesquita da Costa, e no I-11, da lavra do Dr. Romeo de Almeida Ramos, e em Formulações do DASP. Pode assim ser resumida: (a) o abandono de cargo é ilícito instantâneo de efeitos permanentes; (b) o prazo prescricional inicia-se no trigésimo primeiro dia de ausência do servidor; (c) apesar da prescrição, o fato do abandono persiste, devendo declarar-se a vacância do cargo, mediante exoneração ex officio; (d) os casos de exoneração ex officio previstos no art. 75, II, “a” e “b”, do antigo Estatuto do Servidor não eram taxativos, eis que o Estatuto, em outros dispositivos (por ex. art. 19, §§ 5º e 7º), contemplava outros casos de exoneração ex officio. (destacou-se)

7.  Em relação ao fato de se tratar de ilícito instantâneo de efeitos permanentes há que se ressaltar recente manifestação desta CPPAD, consubstanciada no Parecer vinculante GMF-06, publicado em 21 de setembro de 2017, em que se firmou a superação dos Pareceres GQ -206, GQ – 207, GQ -211 e GQ -214, tendo em vista que a infração funcional de abandono de cargo possui caráter permanente e o prazo prescricional apenas se inicia a partir da cessação da permanência.

8.  Em relação ao prazo para a instauração do Processo e para a apuração do abandono de cargo, o Parecer GM no 007, não vinculante, assim se pronunciou:

6. Quanto à prescrição, cumpre registrar que, segundo o Parecer AGU/WM-8/98 (Anexo ao Parecer GQ-144), citado na Nota da SAJ, previsto também como crime, o abandono de cargo tem o mesmo prazo de prescrição da Lei Penal, e da conjugação dos arts. 323 e 119, VI, do Código Penal e art. 142, § 2º, da Lei n.º 8.112, conclui-se que o prazo prescricional da infração "abandono de cargo" é de dois anos. Com a nulidade do Processo Administrativo Disciplinar, considera-se não interrompida a prescrição. Se as faltas tiveram início em 26/8/96 (fls. 3-7), a infração consumou-se em 25/9/96, estando realmente prescrita a pretensão punitiva da Administração.

9.  No mesmo sentido o Parecer GQ nº 144, não vinculante:

,8. Previsto como crime, no art. 323, o abandono de cargo tem seu prazo prescricional regulado no art. 109, VI, ambos os dois do Código Penal, isto é, a prescrição verifica-se em dois anos, a contar do trigésimo primeiro dia de falta ao serviço, pois a Administração tem imediato conhecimento dessa infração (§ 1º do transcrito art. 142 da Lei n. 8.112).

10. Assim, tem-se entendido que o prazo prescricional para a apuração da infração de abandono de cargo e para o exercício da pretensão punitiva da Administração é de 2 anos, caso o fato tenha ocorrido até 06 de maio de 20102 e, atualmente, em razão da alteração dos arts. 109 e 110 do Código Penal, por intermédio da Lei nº 12.234, de 2010, esse prazo passou a ser de 3 (três) anos. Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. ABANDONO DE CARGO. NULIDADES. AFASTADAS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INOCORRÊNCIA. ANIMUS ABANDONANDI CONFIGURADO. SEGURANÇA DENEGADA.

1. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o excesso de prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não conduz à sua nulidade. Precedentes.

2. O artigo 164, § 2º, da Lei nº 8.112/90 estabelece que designar-se-á defensor dativo para defender o indiciado revel, ou seja, aquele que não atende à citação para a apresentação de defesa.

No entanto, verifica-se que, embora sob o título "Justificativa", o impetrante apresentou defesa escrita, objetivando, sem sucesso, afastar o elemento subjetivo caracterizador do abandono de cargo.

3. Conforme dispõe a Lei nº 8.112/90, o curso do prazo prescricional é interrompido desde a publicação do primeiro ato instauratório do processo disciplinar, até a decisão final proferida pela autoridade competente (art. 142, § 3º).

4. No entanto, segundo entendimento consolidado neste STJ, a interrupção do prazo prescricional do processo disciplinar não é definitiva, vez que, decorrido o prazo máximo para conclusão e julgamento deste, o prazo prescricional recomeça a correr por inteiro, segundo a regra estabelecida no art. 142, § 4º, da Lei nº 8.112/90. Precedentes.

5. In casu, houve, em 21/02/2003, com a publicação da Portaria no 65 (a qual instaurou o PAD), a interrupção da contagem do prazo prescricional. Esse prazo prescricional teve sua contagem reiniciada após 75 (setenta e cinco) dias da instauração do supramencionado PAD - prazo máximo para conclusão e julgamento deste (art. 133, § 7º, c/c art. 167, ambos da Lei nº 8.112/90).

6. Não há falar, pois, em prescrição da pretensão punitiva, porquanto, considerando a interrupção do prazo prescricional (em 21/02/2003) e o reinício de sua contagem por inteiro (em 06/05/2003), a demissão do impetrante poderia ter ocorrido até 06/05/2005 - levando-se em conta o prazo prescricional de 2 (dois) anos (art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/90 c/c o art. 323 e o então art. 109, inc. VI, ambos do Código Penal). O ato demissório, no entanto, foi publicado em 07/09/2004.

7. Da análise dos autos, verifica-se o ânimo específico do impetrante de abandonar o cargo, tendo em vista a ausência de justificativas plausíveis em sua defesa.

8. A concessão de licença não remunerada para tratar de interesse particular é uma faculdade da Administração, a qual poderá, a seu alvedrio, deferi-la ou não, segundo o que for mais conveniente, à época, para o serviço público (art. 91 da Lei nº 8.112/90) (MS 15.903/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/04/2012, DJe 20/04/2012).

9. Segurança denegada.

(MS 10.291/DF, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 29/05/2013)

-------------------------------------------------------

1 § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. cujo art. 213, parágrafo único, era assim redigido: “A falta também prevista na lei penal como crime prescreverá juntamente com este”.

2 Data da entrada em vigor da Lei 12.234, que alterou os arts. 109 e 110 do Código Penal.

11. Nesse mesmo sentido é o posicionamento da Corregedoria-Geral da Advocacia da União:

NOTAS:

1 § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. cujo art. 213, parágrafo único, era assim redigido: “A falta também prevista na lei penal como crime prescreverá juntamente com este”.

2 Data da entrada em vigor da Lei 12.234, que alterou os arts. 109 e 110 do Código Penal.

NOTA TÉCNICA Nº 186/2009-CGAU/AGU

PROCESSO Nº 00400.020421/2009-91

(...)

34. Nesse sentido, cita-se a Formulação nº 31 do extinto DASP, enunciando que “em relação ao abandono de cargo, a prescrição começa a correr no 31º dias de faltas consecutivas ao serviço.”

35. Além disso, conquanto ser um ilícito funcional cominado com a pena de expulsão do serviço público, a contagem da prescrição do direito de punir o abandono de cargo não obedece ao prazo quinquenal, genericamente previsto no inciso I do art. 142 da Lei nº 8.112, de 1990, para as infrações passíveis de demissão. Incide, nesse caso, a regra especial (art. 142, §2º, da Lei nº 8.112, de 1990) de que as infrações disciplinares também capituladas como crime seguirão os prazos prescricionais da lei penal, o que ocorre com o abandono de função, já que tal fato é previsto como ilícito penal nos termos do art. 323 do Código Penal Brasileiro.

36. Temos, então, que o prazo da prescrição do abandono de cargo se dá em 2 (dois) anos, adotando a prescrição criminal, de acordo com o estabelecido no art. 109, VI do Código Penal Brasileiro, desde que seja na hipótese do tipo penal não qualificado, previsto no caput do art. 323 do referido diploma legal, cuja pena máxima é de um mês de detenção, já que o referido dispositivo legal prevê, ainda, nos parágrafos 1º e 2º, duas modalidades qualificadas do crime de abandono de função, que recebem penas aumentadas em relação ao caput, elevando a prescrição penal para, respectivamente, 4 (quatro) anos e 8 (oito) anos.

37. Sobre o tema, vejamos o entendimento externado pela Advocacia-Geral da União no Parecer AGU no GM-7 e Parecer AGU no GQ-144, não vinculantes:

6. Quanto à prescrição, cumpre registrar que, segundo o Parecer AGU/WM-8/98 (Anexo ao Parecer GQ-144), (...), previsto também como crime, o abandono de cargo tem o mesmo prazo de prescrição da lei penal, e da conjugação dos arts. 323 e 119, VI, do Código Penal e art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, conclui-se que o prazo prescricional da infração abandono de cargo é de dois anos.”

8. Previsto como crime, no art. 323, o abandono de cargo tem seu prazo prescricional regulado no art. 109, VI, ambos os dois do Código Penal, isto é, a prescrição verifica-se em dois anos, a contar do trigésimo primeiro dia de falta ao serviço, pois a administração tem imediato conhecimento dessa infração (§ 1º do transcrito art. 142 da Lei nº 8.112).”

38. No entanto, quanto ao segundo momento de aferição da prescrição do direito de punir da Administração Pública, o cômputo do prazo prescricional se dá na forma prevista pela Lei nº 8.112, de 1990, aplicando-se, dessa forma, as causas modificadoras do curso prescricional ali previstas.

12. Outrossim, há o entendimento jurisprudencial de que o prazo para a Administração apurar eventual prática de abandono de cargo é de 5 anos, caso não tenha havido apuração na esfera penal. Nesse sentido são os seguintes julgados do STJ:

ADMINISTRATIVO. RECURSO  ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.  ABANDONO DE CARGO. COMPOSIÇÃO DO CONSELHO DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARANÁ. PRESENÇA DE DOIS PROMOTORES. LEI COMPLEMENTAR N.º 98/2003. CONSTITUCIONALIDADE. PARTICIPAÇÃO DECISIVA DE MEMBRO IMPEDIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 252, INCISO III, DO CPP. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. NULIDADE. PENA DEMISSÓRIA. AUSÊNCIA DE APURAÇÃO DO ILÍCITO NO ÂMBITO PENAL. PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS. ANULAÇÃO DA PENA DEMISSÓRIA. DECURSO DE MAIS DE CINCO ANOS APÓS CENTO E QUARENTA DIAS DO ÚLTIMO MARCO INTERRUPTIVO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL CONFIGURADA.

(...)

3. O prazo prescricional a ser observado, na hipótese, relativamente ao delito de abandono de cargo, o qual configura também ilícito penal, segue a regra da prescrição das infrações administrativas, equivalente a 5 (cinco) anos, tendo em vista que o crime sequer chegou a ser apurado na instância penal, conforme reconhecido pelo próprio Recorrente, daí a inaplicabilidade da prescrição penal.

Precedentes.

4. Em se considerando que a prescrição (tal como a decadência) é um instituto concebido em favor da estabilidade e da segurança jurídicas, não se pode admitir que o litigante em processo administrativo disciplinar aguarde, indefinidamente, o exercício do poder punitivo do Estado.

5. Desse modo, sendo interrompido pela instauração do processo administrativo disciplinar, o prazo prescricional volta a correr por inteiro após 140 (cento e quarenta) dias, prazo máximo para conclusão do processo administrativo e imposição de pena, independentemente de ter havido ou não o seu efetivo encerramento.

(...)

(RMS 20.337/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 07/12/2009) (grifou-se)

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL.

AUSÊNCIA INJUSTIFICADA. DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO.

1. Consolidou-se nesta Corte o entendimento de que, no caso de cometimento por servidor público de infração disciplinar também tipificada como crime, somente se aplica o prazo prescricional previsto na legislação penal quando os fatos também forem apurados na esfera criminal. Como na espécie não houve tal apuração, é de se aplicar o prazo prescricional de 5 anos, de acordo com o art. 142, I, da Lei nº 8.112/90.

2. Transcorrido mais de 5 anos entre a data em que se tomou conhecimento da ausência da impetrante ao serviço público (31º dia após 13/07/98) e a data de instauração do processo administrativo (07/02/2006), primeiro marco prescricional, é de se entender prescrita a pretensão estatal de aplicar a pena de demissão à impetrante.

3. A tese de que o abandono do cargo se renova a cada 30 dias, haja vista a sua natureza de infração permanente, é descabida, porquanto além de não encontrar respaldo na doutrina e na jurisprudência, a lei é clara ao estipular a data inicial em que se deve iniciar o cômputo do prazo prescricional, daí porque o intento administrativo é tão somente estabelecer hipótese de prorrogação do prazo prescricional não prevista em lei.

4. A referida tese denota o intento do ente estatal de criar uma nova hipótese infundada de renovação de prazo prescricional, provavelmente para corrigir o equívoco relativo ao demasiado tempo que se levou para instaurar o processo administrativo, deixando este ser atingido pela prescrição.

5. Mandado de segurança concedido.

(MS 12.884/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,

TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 22/04/2008) (grifou-se)

13. Conforme se pode perceber dos julgados acima, é possível adotar a tese de que o prazo prescricional em caso de abandono de cargo é de 5 anos para aqueles casos em que não houver a apuração do fato na instância penal. Assim, caso não haja a apuração dos fatos no âmbito penal, o prazo prescricional para apuração da infração e para a aplicação de eventual penalidade é de 5 anos, posto que não incide a previsão do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112, de 1990.

14. Com efeito, a previsão contida no art. 142, §2º, da Lei nº 8.112, de 1990, traduz-se numa mitigação à independência das instâncias, na medida em que afasta a aplicação dos prazos prescricionais administrativos e traz para a esfera disciplinar os prazos prescricionais penais, para os casos em que especifica. Ou seja, trata-se de uma exceção, que, segundo regras de hermenêutica jurídica, deve ser interpretada de forma restrita, sob pena de desvirtuamento.

15. Assim, a utilização do prazo prescricional penal na esfera administrativa deve ser feita de forma reservada, restringindo-se aos casos em que já tenha sido deflagrada a atuação dos órgãos criminais competentes. Não deve a administração, no uso de seu poder disciplinar, decidir se determinada infração disciplinar configura tipo penal e, consequentemente, utilizar a permissão insculpida no art. 142, §2º, da Lei nº 8.112, de 1990. Uma vez constatada a existência de indícios do cometimento de algum ilícito penal a providência a ser adotada pela Administração é o de efetuar a imediata comunicação a quem de direito, para adoção das providências cabíveis.

16. Verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça, a quem compete a verificação da legalidade e uniformização da jurisprudência de normas infraconstitucionais federais, tem posicionamento pacífico sobre o tema. Nesse sentido, colaciona-se o voto proferido pelo Ministro Relator Humberto Martins que, de forma extremamente didática, ressaltando diversos precedentes, esclareceu o entendimento daquela Corte acerca do tema, confira-se:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. INEXISTÊNCIA DE APURAÇÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DO PRAZO ADMINISTRATIVO. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. PRECEDENTES.

1. A regra geral do prazo prescricional para a punição administrativa de demissão é de cinco anos, nos termos do art. 142, I, da Lei n. 8.112/90, entre o conhecimento do fato e a instauração do processo administrativo disciplinar.

2. Quando o servidor público comete infração disciplinar também tipificada como crime, somente se aplicará o prazo prescricional da legislação penal se os fatos também forem apurados em ação penal.

3. Precedentes: RMS 19.087/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 19.6.2008, DJe 4.8.2008; MS 12.884/DF, Rel. Min.

Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 9.4.2008, DJe 22.4.2008; RMS 18.688/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 9.2.2005.

4. No presente caso não notícia de apuração criminal, razão pela qual deve ser aplicado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, previsto no art. 142, I, da Lei n. 8.112/90.

5. É incontroverso nos autos que os fatos desabonadores foram conhecidos pela Administração em 7.4.2000, e que o prazo prescricional foi interrompido em 7.3.2008, com a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), caracterizando a prescrição quinquenal para a punição dos servidores públicos. Segurança concedida.

(MS 15.462/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO,

julgado em 14/03/2011, DJe 22/03/2011)

VOTO

Os impetrantes foram demitidos do cargo de agente de saúde pública, "por valer- se do cargo para lograr proveito pessoal em detrimento da dignidade da função pública e por improbidade administrativa " (fls. 320), conforme portarias n. 1.026/2010 e 1.030/2010.

A questão central do mandado de segurança é a verificação da ocorrência - ou não - da prescrição administrativa para punir os fatos ocorridos em 1999, cujas demissões foram publicadas em 2010.

É incontroverso nos autos que os fatos foram conhecidos pela Administração em 7.4.2000, e que o prazo prescricional foi interrompido em 7.3.2008 com a publicação da Portaria válida n. 37/2008 de instauração do PAD n. 25100.005.816/2008-98 (fl. 423).

Alegam os impetrantes que ocorreu a prescrição quinquenal, nos termos do art. 142, I, da Lei n. 8.112/90, pois transcorridos mais de 5 (cinco) anos entre o momento a partir do qual os fatos se tornaram conhecidos pela Administração, e aquele em que se deu a instauração do processo administrativo disciplinar, que culminou com a demissão dos impetrantes.

Determina o art. 142, da Lei n. 8.112/90:

"Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

I   - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência.

§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

§ 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime."

Em confronto, apresenta a autoridade apontada como coatora a tese de que o prazo prescricional aplicável é a de crime de peculato, pois os fatos narrados no processo administrativo disciplinar descreve tal crime, que prescreve em 16 anos, conforme dispositivos do Código Penal, que cito:

"Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa."

"Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

(...) II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;"

O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem, pois "não consta dos autos sentença criminal condenando os impetrantes pela prática do crime de peculato, de tal forma que a capitulação dos ilícitos administrativos em exame como crime de peculato partiu exclusivamente da Administração, sem respaldo em ação penal. Nesse sentido, a orientação desta Egrégia Corte Superior é no sentido de que, nos casos em que os suposto ilícito praticado pelo servidor público não for objeto de ação penal, aplica-se o disposto na legislação administrativa quanto ao prazo prescricional ..." (fls. 568)

Concordo com o parecer ministerial. Com efeito, a mera presença de indícios de prática de crime sem a devida apuração nem formulação de denúncia obsta a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/90, devendo ser aplicada a regra geral prevista no inciso I desse dispositivo.

A propósito, os seguintes precedentes:

"ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PENA DE DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO. PRAZO PRESCRICIONAL. LEI ESTADUAL N.º 10.261/68. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. OCORRÊNCIA.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que somente se aplica o prazo prescricional previsto na legislação penal quando os fatos também forem apurados na esfera criminal. No presente caso, não houve apuração na esfera criminal, devendo, portanto, ser aplicado o prazo prescricional previsto na legislação administrativa estadual.

2. Instaurado o processo administrativo disciplinar e aplicada a pena de demissão após o prazo de 05 (cinco) anos, Documento: 12940689 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 9Superior Tribunal de Justiça previsto na Lei Estadual nº 10.261/68, contados do conhecimento de existência de falta pela autoridade, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva do Estado. 3. Recurso ordinário conhecido e provido."

(RMS 19.087/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 19.6.2008, DJe 4.8.2008.)

"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL. AUSÊNCIA INJUSTIFICADA. DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO.

1. Consolidou-se nesta Corte o entendimento de que, no caso de cometimento por servidor público de infração disciplinar também tipificada como crime, somente se aplica o prazo prescricional previsto na legislação penal quando os fatos também forem apurados na esfera criminal. Como na espécie não houve tal apuração, é de se aplicar o prazo prescricional de 5 anos, de acordo com o art. 142, I, da Lei nº 8.112/90.

2. Transcorrido mais de 5 anos entre a data em que se tomou conhecimento da ausência da impetrante ao serviço público (31º dia após 13/07/98) e a data de instauração do processo administrativo (07/02/2006), primeiro marco prescricional, é de se entender prescrita a pretensão estatal de aplicar a pena de demissão à impetrante.

3. A tese de que o abandono do cargo se renova a cada 30 dias, haja vista a sua natureza de infração permanente, é descabida, porquanto além de não encontrar respaldo na doutrina e na jurisprudência, a lei é clara ao estipular a data inicial em que se deve iniciar o cômputo do prazo prescricional, daí porque o intento administrativo é tão somente estabelecer hipótese de prorrogação do prazo prescricional não prevista em lei.

4. A referida tese denota o intento do ente estatal de criar uma nova hipótese infundada de renovação de prazo prescricional, provavelmente para corrigir o equívoco relativo ao demasiado tempo que se levou para instaurar o processo administrativo, deixando este ser atingido pela prescrição.

5. Mandado de segurança concedido."

(MS 12.884/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 9.4.2008, DJe 22.4.2008.)

"MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. INTERREGNO SUPERIOR A CINCO ANOS ENTRE O CONHECIMENTO DOS FATOS PELA ADMINISTRAÇÃO E A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR VÁLIDO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO SANCIONATÓRIA. PROCESSO DISCIPLINAR ANTERIOR DESPROVIDO DE EFEITOS EM RAZÃO DA DECLARAÇÃO DE SUA NULIDADE. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. O poder-dever de a Administração punir a falta cometida por seus Funcionários não se desenvolve ou efetiva de modo absoluto, de sorte que encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, de hierarquia constitucional, uma vez que os administrados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada do poder disciplinar do Estado, além de que o acentuado lapso temporal transcorrido entre o cometimento da falta disciplinar e a aplicação da respectiva sanção esvazia a razão de ser da responsabilização do Servidor supostamente transgressor.

2. O art. 142 da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União) funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, instituindo o princípio da inevitável prescritibilidade das sanções disciplinares, prevendo o prazo de cinco anos para o Poder Público exercer seu jus puniendi na seara administrativa.

3. Reluz no plano do Direito que, a anulação do Processo Administrativo implica na perda da eficácia de todos os seus atos, e no desaparecimento de seus efeitos do mundo jurídico, o que resulta na inexistência do marco interruptivo do prazo prescricional (art. 142, § 3º. da Lei 8.112/90), que terá como termo inicial, portanto, a data em que a Administração tomou conhecimento dos fatos.

4. Transcorridos mais de cinco anos entre o conhecimento da existência de falta pela autoridade competente e a instauração do segundo Processo Administrativo Disciplinar (que declarou a nulidade do primeiro), deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva do Estado.

5. Ordem concedida, em conformidade com o parecer ministerial."

(MS 13.242/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em 5.12.2008, DJe 19.12.2008.)

Assim, somente quando houver regular apuração do ilícito criminal, deverá ser aplicada a legislação penal sobre prescrição.

A propósito:

"ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL - PRECEDENTES - INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL - PRESCINDIBILIDADE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA - RECURSO DESPROVIDO.

I   - Consoante entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, havendo regular apuração criminal, deve ser aplicada a legislação penal para o cômputo da prescrição no processo administrativo. Precedentes.

II - A sanção administrativa é aplicada para salvaguardar os interesses exclusivamente funcionais da Administração Pública, enquanto a sanção criminal destina-se à proteção da coletividade. Consoante entendimento desta Corte, a independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração impor punição disciplinar ao servidor faltoso à revelia de anterior julgamento no âmbito criminal, ou em sede de ação civil, mesmo que a conduta imputada configure crime em tese. Ademais, a sentença penal somente produz efeitos na seara administrativa, caso o provimento reconheça a não ocorrência do fato ou a negativa da autoria.

III - Recurso conhecido e desprovido."

(RMS 18.688/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ de 9.2.2005.)

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA TAMBÉM TIPIFICADA COMO CRIME DE CONCUSSÃO. PRESCRIÇÃO. NÃO- OCORRÊNCIA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO. DEMISSÃO. ESFERA CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INDEPENDÊNCIA DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA.

1. Nos termos do art. 142, § 2º, da Lei n.º 8.112/90, aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime, os prazos prescricionais previstos na lei penal. Precedentes.

2. O prazo para a Administração aplicar a pena de demissão ao servidor faltoso é de 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 142, inciso I, da Lei n.º 8.112/90. Entretanto, havendo regular apuração criminal, o prazo de prescrição no processo administrativo disciplinar será regulado pela legislação penal, que, in casu, consoante o art. 316 c.c. o art. 109, inciso III, do Código Penal, é de 12 (doze) anos.

3. Na hipótese, a contagem do prazo prescricional foi interrompida com a instauração de novo PAD em 04/09/2003, voltando a correr por inteiro em 21/01/2004, após o transcurso de 140 (cento e quarenta) dias (prazo máximo para a conclusão do processo - art. 152, caput, c.c. o art. 169, § 2.º, ambos da Lei 8.112/90). Desse modo, tendo sido expedida a Portaria Demissionária da Impetrante em 19/05/2004, constata-se, à toda evidência, a não-ocorrência da prescrição da pretensão punitiva da Administração.

3. Tendo em vista a independência das instâncias administrativa e penal, a sentença criminal somente afastará a punição administrativa se reconhecer a não-ocorrência do fato ou a negativa de autoria, hipóteses inexistentes na espécie. Precedentes.

4. Segurança denegada."

(MS 9.772/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, DJ 26.10.2005, sem grifos no original.)

Portanto, aplica-se ao caso o prazo prescricional administrativo previsto no art. 142 da Lei n. 8.112/90, afastando-se o prazo previsto na legislação penal, pois não demonstrada a existência de denúncia ou apuração criminal dos fatos descritos no Processo Administrativo Disciplinar.

Ante o exposto, concedo a segurança, para reintegrar os impetrantes em seus cargos públicos, em consonância com o parecer do Ministério Público Federal. É como penso. É como voto (negritos e itálicos nos originais)

17. Diante do exposto, e com base nas razões de fato e de direito expostas no presente parecer, conclui-se que o prazo prescricional da infração funcional de abandono de cargo quando não há persecução penal é de 5 anos.

II – DA SUPERAÇÃO DO ENTENDIMENTO (OVERRULING) DOS PARECERES GM 007 E GQ-144

18. Neste capítulo conclusivo da presente manifestação jurídica mostra-se imperativo ressaltar que o tema atinente ao termo inicial de prescrição da infração de abandono de cargo já havia sido outrora tratado pelos Pareceres GM 007 e GQ-144, não vinculantes, nos quais, à época, a questão sub lúmen serviu como base argumentativa para o deslinde de casos concretos ocasião em que foi fixado o entendimento de que o abandono de cargo tem o mesmo prazo de prescrição da lei penal.

19. Importante ressaltar que as soluções dadas para aqueles casos foram em consonância com entendimento vigente à época, de forma que se constituem em ato jurídico perfeito e indene à retroatividade em razão do princípio constitucional da segurança jurídicai.

20. Sobre o overruling e a irretroatividade de novo entendimento cabe trazer à colação trecho do Parecer GMF-06 que bem tratou da matéria:

47. O primeiro aspecto do princípio da segurança jurídica, de ordem objetiva, aproxima-se, em grande medida, da regra constitucional que veda a retroatividade da lei, e versa sobre critérios de interpretação das normas administrativas, vedando objetivamente a aplicação retroativa de nova interpretação, in literris:

"Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (...)

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

(...)

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação."

48. Ainda por este prisma, anota a Professora Di Pietroii que as leis, em razão do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. Porém, não se ignora a possibilidade de mudança de orientação pela Administração Pública o que provoca, por consequência lógica, certa insegurança jurídica porque os interessados desconhecem o momento em que sua situação poderá ser contestada pela própria Administração Pública. Neste cenário, não se admite que os administrados tenham seus direitos flutuando ao sabor de interpretações jurídicas variáveis no tempo, justificando-se aí a regra que veda a aplicação retroativa.

49. Nesta mesma senda, o Conselho Nacional de Justiça, fixou o entendimento de que, ocorrendo nova interpretação administrativa, esta vinga para as situações que se consolidarem posteriormente, nos moldes da Lei nº 9.784, de 1999, conforme espelhado no seguinte precedente, dentre outros, in verbis:

"No caso em questão, dúvida alguma que está sendo dada nova interpretação administrativa para o âmbito da Justiça do Trabalho, no bojo de processo administrativo, pelo que essa interpretação que agora se propõe deve gerar apenas efeitos para as futuras remoções, de molde a que os tribunais possam efetuar o correto planejamento orçamentário a fim de prever despesas de ajuda de custo nas remoções, de molde, pois entender o contrário implicaria em descumprir preceito legal (Lei 9784/99). Acredito, portanto, que é imperativo que esse Conselho reconheça que caso essa lei é norma de aplicação obrigatória, o que implica vedar qualquer efeito patrimonial nas remoções pretéritas..." (CNJ-PPs 200710000007809 e 200710000011825, Rel. Cons. Jorge Maurique, julgado em Sessão de 04/12/07)." (grifei)

50. Já o segundo aspecto evidencia o espectro subjetivo do instituto da segurança jurídica, qual seja, o princípio da proteção à confiança ou da confiança legítima e estabelece inovadoramente prazo decadencial de cinco anos para os atos administrativos ablativos de direito, salvo comprovada má-fé:

"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé."

51. O citado dispositivo legal é imbuído do espírito de que, embora seja dever da Administração Pública rever seus próprios atos quando eivados de ilegalidade (autotutela), conforme classicamente se reconhece, não raras vezes esta revisão, pode não ser realizada a tempo e modo, seja porque se desconhece a ilegalidade cometida, seja porque se julga legítima a interpretação do direito perpetrada na ocasião, de forma que se permite que situações fáticas irreversíveis ou reversíveis, porém a custos juridicamente intoleráveis, consolidem-se, tornando- se, pois, merecedores da salvaguarda do ordenamento jurídicoiii.

52. Neste ponto, tem-se que, se o referido dispositivo da Lei nº 9.784, de 1999 reveste-se em segurança jurídica a favor do administrado verifica-se, também, na legislação ordinária, a existência de prazo prescricional quinquenal para o ex- servidor requerer a revisão de sua demissão. Isto é, o sistema jurídico apresenta- se em sua dualidade e aponta para a segurança jurídica para as relações como um todo.

53. Sobre este último enfoque, a desconstituição do ato administrativo de demissão, por se tratar de ato único de efeitos concretos, subordina-se ao lapso prescricional de cinco anos, na forma do artigo 1º do Decreto 20.910, de 1932. Assim, caso não tenha sido exercitado o direito de ação dentro do prazo previsto em lei, a prescrição alcança o próprio fundo do direito. Neste sentido, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial, consolidou a exegese de que a ação que objetiva reintegração de servidor público deve ser proposta no prazo de cinco anos (artigo 1º do Decreto nº 20.910/32) do ato de demissão, ainda que se trate de ação ajuizada em face de ato nulo, in verbis:

"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.

REINTEGRAÇÃO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO Nº 20.910/32.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que a ação que objetiva reintegração de servidor público deve ser proposta no prazo de cinco anos (artigo 1º do Decreto nº 20.910/32) do ato de demissão, ainda que se trate de ação ajuizada em face de ato nulo.

2. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EREsp 545.538/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe 05/11/2009)"

54. Desta feita, e tendo-se como imperativo a superação do entendimento exposto nos retrocitados Pareceres Vinculantes, cumpre apontar, por derradeiro, os mecanismos hábeis para tal mister utilizando-se, para tanto, e de forma subsidiária, a novel sistemática de precedentes trazida pelo Novo Código de Processo Civil, nos termos do art. 15, in litteris:

"Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente." (grifei)

55. Abraçando a doutrina do stare decisisiv dos países de tradição de commom law, por meio da edição do Novo Código de Processo Civil, o Direito brasileiro percebeu a importância de se ter uma coerência e previsibilidade das decisões judiciais que são tão necessárias à própria estabilidade do Direito, de forma que não se pode admitir que situações juridicamente idênticas tenham um desfecho tão distinto dado pelos corpos decisórios.

56. Segundo o Professor Elpídio Donizetti, o stare decisisv, entendido como precedente de respeito obrigatório, corresponde à norma criada por uma decisão e que, em razão do status do órgão que a criou, deve ser obrigatoriamente respeitada pelos órgãos de grau inferior. Ainda de acordo com o autor, a existência desse precedente obrigatório pressupõe, a um só tempo, atividade constitutiva (de quem cria a norma) e atividade declaratória, destinada aos julgadores que tem o dever de seguir o precedente.

57. Não obstante, revela-se que essa procura de estabilidade sistêmica há muito inspira o Direito brasileiro, que buscava suprir a falta do stare decisis pela via normativa. Adotaram-se, sucessivamente, para tal tarefa, sucedâneos normativos ao stare decisis, a exemplo do controle abstrato de normas, ADIn interventiva, ADC, súmulas vinculantes, competência dada ao Senado para suspender em todo ou em parte parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciáriovi e, pela mesma lógica jurídica, os Pareceres Vinculantes aprovados pelo Presidente da República. Entretanto, seja pela via normativa ou pelos mecanismos de estabilidade do stare decisis, os entendimentos firmados não podem e nem devem possuir caráter absoluto e atemporal.

58. Voltando-se à sistemática do stare decisis, é imperioso ressaltar que a formação do precedente ocorre apenas pela razão de decidir do julgado, ou seja, pela sua ratio decidendi. Noutros termos, os fundamentos que sustentam os pilares de uma decisão é que podem ser invocados em julgamentos posteriores.

59. Neste diapasão, para que haja correta aplicação do precedente judicial ao caso concreto, competirá ao julgador a função de conferir se a demanda sob julgamento encontra similitude com o precedente, devendo-se analisar os elementos objetivos da demanda em comparação aos elementos caracterizadores dos casos antecedentes, por meio da utilização de técnicas de confronto, interpretação e aplicação (distinguishing) e de técnicas de superação (overruling e overriding), as quais merecem algumas considerações.

60. Quanto ao distinguishing, observa-se que se trata de um método de confronto “pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma” vii. Assim, se não houver coincidência entre os fatos discutidos na demanda e a tese jurídica que subsidiou o precedente, ou, ainda, se houver alguma peculiaridade no caso que afaste a aplicação da ratio decidendi daquele precedente, o magistrado poderá ater-se à hipótese sub judice sem se vincular ao julgamento anterior.

61. Já o overruling é o procedimento por meio do qual um precedente perde sua força vinculante e é substituído por outra ratio decidendi. É técnica de superação do precedente e não apenas de aplicação, interpretação ou confronto de decisões judiciais. À semelhança da revogação de uma lei por outra, pode ocorrer de forma expressa (express overruling) ou tácita (implied overruling), conforme o órgão julgador manifeste expressamente seu interesse em adotar uma nova orientação, abandonando a anterior, ou adote posição contrária à previamente esposada sem, contudo, dispor diretamente a respeitoviii.

62. Esclarece-se, por pertinente, que a superação de um precedente justifica-se, à medida que a atividade interpretativa tende a se modificar ao longo dos anos. A constante evolução da sociedade e a necessidade de sistematização dos princípios, de modo a considerá-los em conexão com outras normas do ordenamento, são formas que possibilitam a mudança no sentido interpretativo nas normas. Assim, por mais que se almeje do sistema jurídico soluções com maior segurança jurídica, coerência, celeridade e isonomia, não há como fossilizar o teor das razões de decidir nas decisões prolatadas, no sentido de vincular eternamente a aplicação de determinado entendimentoix.

63. Por tais razões é que a doutrina – amparada nas teorias norte-americanas – propõe a adoção de técnicas de superação dos precedentes judiciais. Neste espaço, conforme aqui mencionado, tem-se o chamado overruling, técnica que se difere do distinguishing, à medida que este se caracteriza pela conformação do caso à ratio decidendi, enquanto aquele corresponde à revogação do entendimento paradigmático consubstanciado no precedente.

64. Ainda segundo o Professor Elpídio Donizetti, por intermédio dessa técnica (overruling) o precedente é revogado, superado, em razão da modificação dos valores sociais, dos conceitos jurídicos, da tecnologia ou mesmo em virtude de erro gerador de instabilidade em sua aplicação. Além de revogar o precedente, há que se construir uma nova posição jurídica para aquele contexto, a fim de que as situações geradas pela ausência ou insuficiência da norma não se repitam.

65. Por fim, quanto aos efeitos da nova ratio decidendi, o próprio CPC, em seu art. 927, elenca as regras para efeito temporal do precedente, superação e distinção.

66. Debruçando-se sobre o supracitado dispositivo legal, verifica-se que vige o entendimento de que a nova interpretação aplica-se aos casos em andamento, ou seja, às demandas pendentes de julgamento, valendo, portanto, a regra tempus regit actum. Por outro lado, aqueles casos que já tenham sido decididos sob a égide do entendimento anterior não deverão sofrer com a modificação do precedente, em respeito à imutabilidade da coisa julgadax ou, in casu, e por analogia, do ato jurídico perfeito, conforme dispõe, inclusive, o já mencionado inciso XIII, do parágrafo único, do art. 2º, da Lei nº 9.784/99.

67. Esclarece-se, ainda, que como forma de evitar prejuízos em razão da mudança brusca de entendimento das cortes superiores e, assim, proporcionar ao jurisdicionado maior segurança jurídica no momento do exercício de seu direito constitucional de ação, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão, limitando sua retroatividade ou atribuindo-lhe efeitos prospectivos (art. 927, § 3o). Todavia, essa modulação vale para os processos que ainda estejam em andamento, não sendo possível falar-se em relativização da coisa julgada pela alteração de precedente judicialxi ou violação ao ato jurídico perfeito.

21. Nesse contexto, assim como no caso do Parecer no GMF-06, entende-se necessário firmar a superação do entendimento (overruling) dos Pareceres GM 007 e GQ- 144, com eficácia prospectiva, com base nas recentes decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, para firmar o entendimento de que se aplica ao abandono de cargo o prazo prescricional administrativo de 5 (cinco) anos, caso não tenha havido deflagração da instância penal para apuração do fato.

CONCLUSÃO

22. Ante o exposto, após análise das questões submetidas a exame, em atendimento à solicitação formulada, efetuam-se as seguintes conclusões:

a) Aplica-se à falta disciplinar de abandono de cargo o prazo da prescrição administrativa indicada no art. 142, inciso I, da Lei nº 8.112, de 1990, em caso de inexistência de persecução penal para o mesmo fato;

b) pela superação (overruling) das razões de decidir (ratio decidendi) sufragadas nos Pareceres GM007 e GQ-144, com eficácia prospectiva, com base nas recentes decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

À consideração superior.

Luzia Fonseca Azevedo Relatora

Comissão Permanente de Procedimentos Administrativos Disciplinares – CPPAD/ CGU/AGU

i SILVA, Almiro do Couto e. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Brasileiro e o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei n. 9.784/99), Revista Brasileira de Direito Público, ano 2, n. 6, Belo Horizonte, Fórum, jul./set. 2004. p. 7-59.

ii DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”. São Paulo: Editora Atlas, 2013, pp. 85 a 86.

iii Ferraz, Sérgio e Dallari, Adilson Abreu, Processo administrativo, 1ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, págs. 128/129 e 194.

iv “stare decisis é o que sobrou da expressão latina ‘stare decisis et non quieta movere’; ao pé da letra: ‘que as coisas permaneçam firmes e imodificadas, em razão das decisões judiciais’ (PORTO, Sérgio Liberto. Sobre a commom law, civil law e o Precedente Judicial, in Estudo em homenagem ao Professor Egas Moniz de Aragão)

v DONIZETTI, Elpídio. A Força dos Precedentes do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: https://elpidiodonizetti.jusbrasil.com.br/artigos/155178268/a-forca-dos-precedentes-do-novo-codigode- processo-civil

vi AMARAL JÚNIOR, José Levi de Mello. Controle de Constitucionalidade: evolução brasileira determinada pela falta do stare decisis. Revista dos Tribunais, vol. 920, p. 133, Jun/2012.

vii TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 174.

viii DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 4. ed. Salvador: JusPodium, 2009, p. 395.

ix Idem.

x DONIZETTI, Elpídio. Ob. cit.

xi Idem.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 12.4.2019